Um dia eu regressei, exausto, sujo e cansado, ao aquartelamento, situado em Coimba, no norte de Angola, vindo de uma operação militar. Tomei um duche, deitei-me por cima da cama… e adormeci. Quando acordei e percebi que tinha regressado ao mundo real, vindo de um mundo desconhecido, agarrei-me depressa a escrever que a morte tinha falado comigo.
A morte falou comigo.
Fui ao encontro dele numa mata, algures em
Angola.
A morte sorriu e falou comigo.
A morte: A tua vida é sangrenta e confusa o
suficiente para poder levar-te comigo para sempre.
Eu: Ainda tenho um grande e longo caminho à
minha frente. Se estou aqui nesta guerra sangrenta e confusa como tu dizes, é
totalmente contra a minha vontade. Sabes, não me leves contigo, porque não
quero ser herói nesta guerra. Os heróis ficam esquecidos no passado.
A morte: És tu contra esta guerra?
Eu: Sim, eu já te disse. Sou contra todas as
guerras. Os homens são piores do que os adolescentes, que querem logo crescer e
desejam ser sempre heróis.
Eu: Quero que os homens se aborreçam de fazer guerra,
que crescem e que deixem de ser gananciosos. Quero que sejam como as crianças.
O homem desperdiça a sua saúde, extermina a sua espécie, tudo por causa do
dinheiro. Porque se aborrecem de ser como as crianças.
A Morte: Que pensas tu sobre o futuro?
Eu: O futuro da humanidade vai ser terrível.
Muito caos, entrará muita gente no teu reino e tu ficarás contente. Alguns
homens vivem como se nunca fossem morrer. Ansiosos sobre o futuro, eles esquecem-se
do presente e, dessa forma, não vivem nem o presente, nem o futuro.
A morte: Gostas da vida aqui na terra?
Eu: A vida humana é primitiva.
A morte: Por que razão dizes que a vida é
primitiva?
Eu: Sabes, morte, eu não devia ter nascido.
Sabes porquê? Um ser humano nasce, aprende todos os ensinamentos durante anos, e
depois leva tudo consigo para a sepultura. E morre, como se nunca tivesse
vivido. Mas o Deus, que vive dentro de mim, segurou a minha mão por instantes
para que eu ficasse firme aqui na terra.
A morte: Que lições de vida queres que teus
filhos aprendam?
Eu: Que aprendam amar, a fazer com que os
outros os amem. Que se deixem amar. Que aprendam que o mais valioso não são as
coisas que se tem na vida, mas sim a vida.
A morte: Gostas de lutar?
Eu: Sim, lutar incondicionalmente pelo amor, não
só para mim e para a minha família, mas também para a humanidade, sem agressões
e pressões. Mas primeiro tenho que me mudar a mim mesmo.
A morte: Achas que consegues mudar o mundo?
Eu: Não, sozinho não consigo mudar
absolutamente nada. Mas… sim, com os homens de boa vontade sim.
A morte: O que dizes sobre a justiça divina?
Eu: Sim, acredito da justiça divina! Mas também
na do homem. Mas ambas, por vezes, são injustas e desumanas.
A morte: Por que razão dizes que ambas são
desumanas?
Eu: Os marginais e gananciosos que prejudicam a
humanidade, e os corruptos, devem ser julgados. Por vezes as leis são desumanas,
porque há muitos inocentes entre os culpados. Os juízes, muito deles são,
também, pecadores, só que estão camuflados com os instrumentos da justiça, assim
como os políticos, que também estão camuflados pelo poder. A justiça é feita
individualmente sobre seus próprios méritos, não como um grupo, na base de
comparação! Cada caso é um caso. Quanto à justiça divina, também ela é injusta.
O planeta está um caos e quem paga sempre são os pobres, que ficam cada vez
mais pobres. Não é justo! Tenho observado como o ser humano mudou nos últimos
anos. Infelizmente piorou muito as suas qualidades. As pessoas agem como se
fossem elas as únicas no mundo, e como se os outros não existissem.
Eu: Que eles têm de aprender que este mundo não
é só deles, mas de todos. Têm de aprender que uma pessoa rica não é a dona do
mundo. Que o dinheiro não lhes dá felicidade. Que as que não têm absolutamente
nada, são as que, na verdade, são mais felizes. Porque acreditam naquilo que
não se vê… a “Fé”.
A morte: O que pensas sobre os teus inimigos?
Eu: Eu não tenho inimigos! O homem é aquilo que
pensa e as inimizades atraem a maldade. Eu aprendi a perdoar, mesmo que a outra
parte que existe em mim me diga para reagir contra. Aprendi a perdoar,
praticando o perdão.
A morte: O que pensas sobre os sentimentos?
Eu: Para muitas pessoas é complicado. Não é com
ódio e ciúme, nem com qualquer tipo de maldade que se consegue conquistar
qualquer amor! Mas sim a aprender a amar. Há pessoas que amam muito,
simplesmente não sabem como expressar, ou demonstrar os seus sentimentos. Misturam
o amor com a maldade, e isso é doentio. Aprendi que duas pessoas podem olhar
para a mesma coisa e vê-la totalmente diferente. As pessoas devem saber, e
aprender, que um amigo verdadeiro é alguém que sabe alguma coisa, ou muita
coisa, sobre nós, e que gosta de nós assim como somos. O amor está presente,
aqui e ali, 24 horas por dia. Pode-se esquecer o que a outra pessoa nos disse,
e devemos esquecer o que ela fez, mas jamais nós vamos esquecer como ela nos
fez, e sentir no nosso coração as palavras ofensivas. O remédio não passa só por
dizer amor. É ter cuidado com a boca e perdoar-me a mim mesmo, para que eu
possa perdoar os outros. Por vezes, para acudir uma amizade temos que fazer
sofrer a pessoa que nós amamos. Sabes morte, eu não compreendo os sentimentos
dos homens. E até tu, morte, cometes injustiças. Lembra-te do homem e das
adversidades, amarguras, tormentos, aflições, por que passa. Observa as
tragédias que têm acontecido a cada minuto, neste nosso mundo, e que centenas
de pessoas inocentes, morrem sem que tenhas dó nem piedade de ninguém.
A morte: O que pensas sobre o isolamento e a
depressão?
Eu: Não é isolado entre quatro paredes, sentado no
cantinho duma casa, à espera que Deus, aquele velhinho de barbas brancas,
sentado dum trono de ouro, onde ninguém o pode tocar, nos venha socorrer, que
resolvemos os nossos problemas. Esse Deus está dentro de nós. Á que por o pé á
estrada. Sabes morte, existem dois verbos que me salvaram e me salvarão: SERVIR,
e AMAR todas as pessoas incondicionalmente, incluindo o inimigo. Jamais devemos
desanimar, porque é aqui que está o valor da alma. Morte, sabes uma coisa,
estou farto das tuas perguntas. Peço-te um favor… vai para bem longe de mim
para não me cheirares mal. Até ao dia que o meu relógio biológico deixar de
funcionar. Tchau
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